O conceito de singularidade na inexigibilidade de licitação para contratação de serviços de técnicos especializados: uma nova proposta.

O conceito de singularidade na inexigibilidade de licitação para contratação de serviços de técnicos especializados: uma nova proposta.



por Luiz Claudio de Azevedo Chaves

O sistema normativo que regula as contratações governamentais impõe enorme dificuldade ao aplicador quando da necessidade de contratar serviços técnicos especializados de natureza singular. A complexidade desse conceito, requisito indispensável para o enquadramento da hipótese de inexigibilidade de licitação, constitui o maior desafio do intérprete, o que dificulta sobremaneira a missão de bem contratar tais serviços. Este trabalho é uma iniciativa em buscar melhor aclarar tal conceito, com o objetivo de que as normas licitatórias sejam adequadamente cumpridas, sem desvios de finalidade, mas também, sem perda de eficiência e eficácia a partir de licitações ruinosas.

Palavras-chave: Licitação. Inexigibilidade. Singularidade.

1. Introdução à situação-problema 2. Traços marcantes da inexigibilidade de licitação fundada no art. 25, II. 3 - O Conceito de Singularidade: um grande desafio 4. – Conclusão.

1 - Introdução à situação-problema

É sempre acalorada a discussão sobre como os órgãos e entidades da Administração Pública devem proceder para contratar serviços técnicos especializados incompossíveis de comparação objetiva, conciliando as normas legais para contratação de serviços (CF, art. 37, XXI e Lei 8.666/93) e as peculiaridades inerentes a essa espécie de prestação de serviço. As dificuldades são inúmeras e diversos são os fatores que contribuem para aumentar a insegurança no momento da celebração de tais contratos.
O primeiro ponto diz respeito à obrigação de realizar licitação. Como o dever de licitar é imperativo e fazê-lo pelo critério de menor preço é regra geral, o problema surge da imensa dificuldade (na verdade, impossibilidade) de se estabelecer critérios de aferição idôneos que apontem com segurança a proposta efetivamente mais adequada, elevando a níveis insuportáveis o risco de insucesso da contratação. De notar-se que, não raro, tais contratos quase não possuem margem de correção de desvios no decorrer da execução. Para ilustrar, imagine-se um curso[1] contratado no formato in company, customizado de acordo com as necessidades do órgão contratante, com carga horária de 24 horas e, após iniciado o treinamento percebe-se que o mesmo não irá atender aos objetivos propostos, por exemplo, devido à pouca capacidade didática do instrutor. Mesmo que essa circunstância seja verificada logo após o início do treinamento, seria quase impossível corrigir essa falha de execução, pois isso exigiria a substituição do docente, o que raramente é possível. Os prejuízos seriam irreparáveis, pois concatenar a agenda dos servidores a quem o curso se destinava, o espaço da sala de aula (que pode estar ocupada com outros treinamentos), e a agenda do novo professor, é um exercício muito difícil de gerenciar. A experiência tem demonstrado que contratos dessa natureza, quando licitados, não raro, anotam má prestação de serviço e não atendimento aos objetivos colimados.
Por lado outro, é bastante cediço que muitas das contratações tidas por singulares, em verdade, de singular, nada tem. Muitas vezes o administrador “força a barra” para enquadrar determinado serviço como sendo inexigível, sustentando a tese da inviabilidade de licitação com elementos supérfluos ou impertinentes a esse desiderato.
Objetivando trazer um pouco mais de luz a esse tema, será exposto nas linhas abaixo uma análise do conceito de singularidade proposto pela doutrina, visando aparar as arestas ainda existentes, e, a partir daí, propor uma fórmula que possibilite maior precisão e que, acredita-se, tenderá a assentar um pouco mais o assunto.

2 - Traços marcantes da inexigibilidade de licitação fundada no art. 25, II

Na inexigibilidade de licitação, é a impossibilidade de submeter à competição que afasta o Dever Geral de Licitar, insculpido no art. 37, XXI da Carta Política de 1988. Essa impossibilidade sempre decorre do objeto, seja porque único, como nos casos de produto exclusivo, seja porque, mesmo não sendo exclusivo, se mostra inconciliável com a ideia de comparação objetiva de propostas. E é essa última em que justamente se amolda a hipótese ora em exame.
Veja-se a redação do dispositivo:
Art. 25 – É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial:
I - omissis
II – para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13[2] desta lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação;

Como se vê, o art. 25, II da Lei Geral de Licitações reconhece que determinados serviços, os “técnicos especializados”, quando “singulares”, são incomparáveis entre si. O elemento central dessa hipótese de afastamento da licitação, a despeito da presença de vários executores aptos, é a inviabilidade de estabelecer-se comparação objetiva ente as várias possíveis propostas. Conforme ensina Celso Antônio Bandeira de Mello[3],“são licitáveis unicamente (...) bens homogêneos, intercambiáveis, equivalentes. Não se licitam coisas desiguais. Cumpre que sejam confrontáveis as características do que se pretende e que quaisquer dos objetos em certame possam atender ao que a Administração almeja”. Assim, para configuração da inviabilidade de competição, não bastará que a contratação se amolde em um dos serviços arrolados no art. 13 da Lei 8.666/1993. Será preciso determinar que o objeto do contrato também possa ser considerado singular.[4].

3 - O Conceito de Singularidade: um grande desafio

É de se reconhecer que um dos conceitos jurídicos mais complexos dentre todos os institutos presentes no arcabouço normativo das contratações governamentais é, justamente, o de singularidade para fins de caracterização da inviabilidade de competição. Isto porque a lei não deixa nenhum traço objetivo que possibilite sua identificação. Muito embora haja na doutrina diversas propostas de conceituação desse instituto, formuladas pela pena de renomados jurisconsultos, ainda não há entre eles uma uniformidade que esgote o tema. E o que se verifica, ao se tentar acomodar tais conceitos aos casos práticos do dia a dia é que tais proposições terminam por não encerrar um norte objetivo para o aplicador da norma, abrindo um perigo espaço de discrição onde a vinculação é absolutamente imprescindível.
À guisa de exemplo, veja-se a doutrina de Marçal Justen Filho[5], que entende que a singularidade “caracteriza-se como uma situação anômala, incomum, impossível de ser enfrentada satisfatoriamente por qualquer profissional ‘especializado’. Envolvem casos que demandam mais do que especialização, pois apresentam complexidades que impedem a obtenção de solução satisfatória a partir da contratação de qualquer profissional (ainda que especializado)”. Já o eminente jurista, Carlos Pinto Coelho Motta[6], citando Régis Fernandes de Oliveira, concorda com este último no sentido de que a singularidade “implica em característica própria de trabalho, que o distingue dos demais.” Por sua vez, Jessé Torres Pereira Júnior[7] acerca do conceito de singularidade, traz escólio a partir de julgado do TCE/RJ que afirma que “não se considera de natureza singular aquilo que pode ser executado por numerosos profissionais ou empresas. Petrônio Braz[8], conclui que a expressão (singularidade) “traz sentido especial, com peculiaridades que permitem distinguir a coisa, não podendo a expressão ser entendida literalmente.” Para não estender demais, finaliza-se com a definição de Jacoby Fernandes[9], que aponta que “singular é a característica do objeto que o individualiza, distingue dos demais. É a presença de um atributo incomum na espécie, diferenciador.” O eminente jurista prossegue a lição oferecendo alguns exemplos de como, em sua arguta visão, se identificaria em um serviço o elemento da singularidade. Vale a transcrição:
“Por exemplo, é um serviço singular, a aplicação de revestimento em tinta com base em poliuretano, na parte externa de um reator nuclear, devido às irradiações desse objeto; enquanto pintar é uma atividade comum, as características do objeto que vai receber a tinta exigem uma forma de aplicação de produto que não ocorre nos demais; apagar incêndio é uma atividade que pode ser executada por qualquer bombeiro, mas debelar um incêndio em um poço de petróleo apresenta-se como singular; a demolição é uma atividade comum, mas a necessidade de que seja efetuada por técnica de implosão pode torna-la singular”[10]

Não se nega que quando o serviço se mostra peculiar, especial ou inusitado; que quando o objeto em si possui características intrínsecas que o diferencie dos demais, o mesmo possa ser considerado singular. Mas, parece que dizer isso, apenas isso, se torna insuficiente para se chegar a uma conclusão definitiva sobre o conceito de singularidade que possibilite, nos casuísmos da rotina diária das entidades do Poder Público, a identificação da presença deste requisito. Pergunta-se: o que é inusitado ou peculiar? Qual atributo específico se exige que o serviço apresente para que nele se reconheça, com precisão, que o mesmo é singular? Que “característica própria de trabalho” distingue um serviço de outro para os fins de nele reconhecer a inviabilidade de comparação objetiva entre as várias possíveis propostas? Inusitado, especial ou peculiar são conceitos abertos e, por isso mesmo, não oferecem resposta objetiva para essas indagações.
Em que pese o reconhecido talento científico do autor suso citado, parece que os exemplos acima também não se encaixam com o necessário conforto no conceito de singularidade, pois, todos, partem da premissa de que singular é algo incomum. Serviços realizados em reatores nucleares, muito embora pouco usuais (principalmente no Brasil, onde só há duas usinas nucleares em operação), seguem métodos e padrões técnicos documentados e rigorosamente observados, porém, executados padronizadamente pelos respectivos especialistas. O mesmo se diz do combate a incêndio em poço de petróleo e a demolição pela técnica de implosão. Estes também são serviços, altamente especializados, é claro, mas que seguem padrões de execução conhecidos dos respectivos especialistas.
Não se deve confundir singularidade com exclusividade, ineditismo, complexidade ou mesmo raridade. Se fosse único ou inédito, seria caso de inexigibilidade por ausência de concorrentes e a contratação seria capitulada na cabeça do art. 25 da L. 8.666/93, e não em seu inciso II. O fato de o objeto ser prestado por poucos profissionais ou empresas não impede que estes disputem o objeto. O serviço de concessão de canal para transmissão de dados (link de internet) é prestado, em muitas regiões por duas ou três operadoras e nem por isso são singulares, sendo normalmente licitados por todos os órgãos e entidades da Administração Pública. Ao mesmo tempo, o fato de haver inúmeros possíveis executores não é excludente da hipótese de singularidade, pois essa não é uma condição (objetiva) estipulada na norma legal regedora da espécie. E nem tampouco a complexidade induz a singularidade, pois casos haverá que o serviço, apesar de não complexo, mantém guardada uma certa característica que lhe tornará singular, conforme se verá mais adiante.
A despeito de haver opiniões em sentido contrário, outro conceito que se reputa impróprio é a de que a singularidade pode decorrer da notória especialização de seu executor. Para essa corrente doutrinária[11], a notória especialização envolveria uma singularidade subjetiva. Todavia, se imaginarmos que a inviabilidade pode decorrer da pessoa do contratado, teríamos que admitir a ideia de que um mesmo objeto seria, a um só tempo, singular e não singular, conforme a pessoa que o executar. Ora, o serviço é ou não é singular. Um projeto arquitetônico para casas populares, não pode ser classificado como singular apenas porque sua contratação recaiu em um internacionalmente premiado escritório de arquitetura. O projeto, em si, continuaria usual. Jacoby Fernandes[12], de forma bastante lúcida, salienta que o processo de contratação de obras e serviços inicia-se, necessariamente, pela definição do objeto, o que envolve a elaboração do projeto básico e/ou executivo, e não pela escolha do executor. Acrescenta que “quando os órgãos de controle iniciam a análise pelas características do objeto, percebe-se quão supérfluas foram as características que tornaram tão singular o objeto, a ponto de inviabilizar a competição.”
Como se demonstrou acima, os conceitos existentes na doutrina pátria, muito embora totalmente corretos, não esgotam a matéria, deixando larga margem de subjetivismo para o aplicador da norma. Após muita reflexão sobre essa questão e análise dos inúmeros precedentes e casuísmos existentes na rotina diária das repartições públicas, percebe-se que há um elemento comum que está presente em todos os serviços singulares, qual seja, o da imprevisibilidade ou incerteza do resultado da execução. Pode-se considerar que o serviço é singular quando seu resultado não é previsível ou incerto; quando o contratante, apesar de apontar as características do que pretende contratar, não tem como saber antecipadamente o que irá receber em mãos como resultado da execução; é o serviço cujo resultado pode variar de executor para executor (e por isso não é previsível).
Cumpre deixar desde já consignado que não se está falando da variabilidade da forma de execução, mas do resultado dela. Um sistema informatizado pode ser construído a partir de diversas metodologias de produção (formas de execução), mas o resultado será o mesmo e é previsível. Se o contratante quer um sistema que possibilite administrar o estoque e a logística de distribuição de materiais do almoxarifado, com a possibilidade de gerar relatórios gerenciais de demanda, de fluxo, de atendimento entre outros, o resultado será exatamente esse quem quer que o execute, muito embora, a arquitetura do sistema possa ser elaborada de modo variado de acordo com a metodologia empregada pelos diversos especialistas disponíveis no mercado. O serviço não seria singular, porquanto previsível seu resultado. Veja-se outro exemplo.
Imagine que um órgão pretenda contratar um projeto arquitetônico (art. 13, I da L. 8.666/93), definindo as características que a edificação deverá apresentar, tais como: espaço para biblioteca que acomode 20.000 exemplares; um departamento de saúde com capacidade para atendimento ambulatorial simultâneo para até 10 pacientes bem como um leito de unidade de terapia semi-intensiva; vaga coberta para no mínimo 200 automóveis; que o prédio possua sistema de captação de energia solar para conversão em energia elétrica e reaproveitamento de águas pluviais e de re-uso. O resultado que será apresentado já é sabido mesmo antes de iniciada a execução, independentemente de quem ou quantos escritórios de arquitetura venham a elaborar o projeto. Cada projeto contará com aquelas características solicitadas e, ainda que se diferenciem aqui e ali (tipo de fachada, materiais de acabamento etc) estará possibilitado ao órgão contratante antecipar o resultado. Logo o resultado é perfeitamente previsível, e, portanto, viável seria a licitação.
Mas, se o contratante solicitasse o mesmo projeto, porém, além daquelas características, exigisse que o mesmo, uma vez executado, fosse capaz de transformar o prédio em um novo símbolo, uma marca que tornará a cidade reconhecida internacionalmente. Se a principal intenção fosse essa, os vários possíveis executores apresentariam seus respectivos projetos atendendo a essa exigência cada qual a partir da sua particular leitura, e o contratante não teria como conhecer antecipadamente o resultado. No serviço singular o resultado é, pois, imprevisível, ou seja, o contratante faz o pedido, mas não sabe exatamente o que irá receber como resultado da execução. No primeiro caso, a forma arquitetônica era desimportante; neste, é o elemento primordial.
A contratação de treinamento e aperfeiçoamento de pessoal é um excelente exemplo para a confirmação da tese ora proposta, tendo em vista já citado entendimento firmado pelo Tribunal de Contas da União.[13] Apesar de os fundamentos daquele decisum terem estreita relação com os conceitos doutrinários já anteriormente citados, ao se examinar com o olhar ora defendido, se perceberá que a hipótese se enquadra perfeitamente à proposição aqui encaminhada. E para esse exame, bastará que se faça uma análise sobre o que compõe o resultado da execução do serviço treinamento de pessoal para identificar se o mesmo é previsível ou imprevisível.
Nos serviços de treinamento, o resultado que se busca alcançar, ou seja, aquilo que se perfaz com a execução é o aprendizado, sendo que dois são os fatores que podem ser determinantes para seu alcance: a metodologia; ou, a intervenção direta do docente. As características do projeto do treinamento, isto é, os objetivos gerais e específicos, público alvo, metodologia e o conteúdo programático e recursos instrucionais, constituem características técnicas do objeto para que o resultado do serviço seja alcançado.
A execução do serviço de treinamento se materializa, sem dúvida, com a aula  que o docente ministra. É por meio desta ação que o profissional, fazendo uso da metodologia didático-pedagógica, utilizando os recursos instrucionais já definidos e aplicando o conteúdo programático estabelecido, executa o objeto com o fito de possibilitar o alcance do resultado pretendido. Se o resultado, para ser alcançado, depender essencialmente da intervenção direta e personalíssima do docente, por óbvio, que o resultado da execução será imprevisível. Afinal de contas, cada professor possui sua técnica própria, sua forma de lidar com grupos, sua empatia e capacidade didática. Fará suas exposições com base não só em seus conhecimentos técnicos, mas também a partir das suas experiências pessoais, seu ritmo e timbre de voz. Aliás, o próprio professor poderá executar o serviço de forma distinta a cada aula proferida, ainda que do mesmo tema, provocado, por exemplo, por uma mudança de visão e conceitos. Quer dizer, as aulas sempre serão diferentes, seja na condução, seja nas conclusões, seja na forma de exposição. Tudo isso faz com que seja absolutamente impossível ao contratante desse serviço prever o resultado que irá receber ao cabo da execução, isto é, que nível de aprendizado será possível captar. Nestes casos, não se poderá admitir que, quem quer que seja o executor, desde que aplicando os recursos didáticos pre-definidos, vá obter os mesmos resultados. Não há como negar, diante desse contexto, a singularidade desse específico objeto.
O mesmo não ocorre com os treinamentos cujo resultado se alcança primordialmente a partir do emprego da metodologia e/ou material didático a ser aplicado. Nesses, a intervenção do professor passa a ser acessória, não sendo determinante na obtenção dos resultados esperados. A metodologia, sim, é que seria o principal elemento responsável pelo alcance desses resultados, o que induz a percepção de que, seguindo a metodologia e utilizando os materiais didáticos pré-definidos, o resultado será sempre previsível, não se alterando substancialmente mesmo quando executado por profissionais ou empresas distintas. Cite-se os cursos de datilografia ou digitação. Nestes, o instrutor é um condutor da metodologia. Sua intervensão é mínima e se resume a verificar se o aluno está executando os exercícios de forma correta. Se positivo, o instrutor o autorizará a passar para o próximo exercício, e assim sucessivamente até que o mesmo esteja completamente treinado. Qualquer instrutor treinado na metodologia atrairá resultados muito aproximados entre os alunos, portanto, perfeitamente previsíveis.[14]
Diante do acima exposto, é correto afirmar que, sempre que a intervenção pessoal do instrutor for o elemento determinante para o alcance dos resultados pretendidos, revelada estará a natureza singular do serviço, pois o nível do aprendizado não será previsível. Em contrapartida, caso o método supere a intervenção do mestre para esse desiderato, o treinamento será licitável, porquanto o resultado será basicamente o mesmo quem quer que o execute (desde que detentor das habilidades específicas na metodologia). Para afastar de vez a confusão que ainda possa existir em relação ao conceito de singularidade, abordemos dois exemplos: Curso de Atualização em Língua Portuguesa e o Curso de LIBRAS.
Em nossa vida acadêmica já tivemos professores muito habilidosos, que, com uma didática excepcional, nos faziam entender mais facilmente a matéria; e outros, a despeito de serem detentores de elevado conhecimento e domínio da matéria, não eram tão capazes de transmitir adequadamente o conteúdo. No caso, não seria gramática o principal fio condutor do resultado, mas a intervenção pessoal do professor de língua portuguesa. Apesar de se tratar de um treinamento de matéria de nível médio (o que significa não ser de alta complexidade), para o qual há no mercado inúmeros professores habilitados, ainda sim o mesmo guarda a característica de singularidade.
Nos cursos de LIBRAS, a linguagem de sinais, o instrutor não apenas adestra o aluno nas formas que as mãos devem assumir para sinalizar cada letra do alfabeto ou sílabas ou expressões; vai muito mais além. O curso envolve também o aluno saber interpretar o ritmo com que os sinais são executados, a expressão facial e corporal do portador da deficiência auditiva, e outros trejeitos que compõe o universo do idioma de sinais. Logicamente que cada instrutor apresenta esse conteúdo de forma personalíssima, e, por isso, não previsível e incompossível de comparação objetiva entre os vários possíveis executores.

4 - Conclusão

O esforço de tentar elucidar o conceito de singularidade encontra razão no fato de que os diversos órgãos e entidades do Poder Público, na difícil tarefa de bem conduzir suas políticas de gestão, não raro, se deparam com a necessidade de realizar contratações que não se compatibilizam com a ideia de comparação objetiva de propostas. Mas a insegurança dos setores técnicos, os variados entendimentos jurídicos e, não menos desprezível, temor pela prática de ilegalidades que possam ser detectadas pelo Controle Externo, muitas vezes conduzem a contratações (por licitação) ruins e prejudiciais ao interesse público, ou mesmo à inviabilização dos projetos de políticas públicas aos quais deveriam servir.
Diante de todo o exposto, é possível afirmar que a singularidade se caracteriza pela previsibilidade ou não do resultado da execução. Será considerado singular o serviço cujo resultado de sua execução não puder ser antevisto pelo contratante. Não se confunde o resultado da forma de execução. Mesmo podendo ser realizado por diferentes metodologias (formas), se o resultado for previsível, não restará caracterizada a singularidade. Finalmente, para o caso especial da contratação de serviços de treinamento, se o resultado (aprendizado) for decorrente, primordialmente, da intervenção direta do docente, como a aula não é uma atividade padronizada e os variados docentes são incomparáveis entre si, a singularidade estará presente, sendo perfeitamente licitável o treinamento cujo resultado for determinado mais da metodologia e/ou do material didático do que pela intervenção do docente.





[1] O TCU já firmou entendimento segundo o qual, a contratação de cursos e treinamentos são de natureza singular: “Considere que as contratações de professores, conferencistas ou instrutores para ministrar cursos de treinamento ou aperfeiçoamento de pessoal, bem assim a inscrição de servidores para participação de cursos abertos a terceiros, enquadram-se na hipótese de inexigibilidade de licitação prevista no inciso II do art. 25, combinado com o inciso VI do art. 13 da Lei no 8.666/1993. Decisão 439/1998 Plenário”

[2] Art. 13... Para os fins desta Lei, consideram-se serviços técnicos profissionais especializados os trabalhos relativos a: I - estudos técnicos, planejamentos e projetos básicos ou executivos; II - pareceres, perícias e avaliações em geral; III - assessorias ou consultorias técnicas e auditorias financeiras ou tributárias; (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994) IV - fiscalização, supervisão ou gerenciamento de obras ou serviços; V - patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas; VI - treinamento e aperfeiçoamento de pessoal; VII - restauração de obras de arte e bens de valor histórico.
[3] Curso de Direito Administrativo. 17a, ed., São Paulo: Malheiros, 2004, p. 497.
[4] Nesse sentido: TCU, Súmula 252; JUSTEN FILHO, Marçal, Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 14ª. ed. Dialética. São Paulo, 2010, p. 367; MELLO, Celso Antônio bandeira de, Op. Cit., p.508; DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, Direito Administrativo. 5ª. ed., Atlas. São Paulo, 1995, p. 273; CARVALHO FILHO, José dos Santos. 11ª ed. Lumen Juris. Rio de Janeiro, 2004, p. 226; JACOBY FERNANDES, Jorge Ulisses, Op. Cit. p. 605; MUKAI, Toshio, Op. Cit.
[5] Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 15a ed., São Paulo: Dialética, 2012, p. 419-420.
[6] Eficácia nas Licitações e Contratos. 11a ed., Belo Horizonte: Del Rey, 2008, p. 305.
[7] Comentários à Lei das Licitações e Contratações da Administração Pública. 8a ed., Rio de Janeiro, Renovar, 2009, p.   348.
[8] Processo de licitação, contrato administrativo e sanções penais, 2ª ed. Leme: Mizuno, 2007, p. 182.
[9] Contratação Direta Sem Licitação, 9a ed., Belo Horizonte: Fórum, 2011, p. 609.
[10] Ibidem.
[11]Nesse sentido: MEIRELLES, Hely Lopes, Direito Administrativo Brasileiro. 19ª.ed. Malheiros. São Paulo, 1994, p. 258; MUKAI, Toshio, A natureza singular na contratação por notória especialização, RJML de Licitações e Contratos, n.26, p. 13/15
[12] Contratação Direta Sem Licitação, 9a ed., Belo Horizonte: Fórum, 2011, p. 604.
[13] Vide nota de rodapé no. 1.
[14] Em trabalho dedicado especificamente à contratação de serviços de treinamento, já tivemos oportunidade de exemplificar cursos licitáveis com os que utilizam a metodologia Kumon (www.kumon.com.br). Discorremos que: “Os cursos na metodologia Kumon é um excelente exemplo. Este método preconiza um “estudo individualizado que busca formar alunos autodidatas...com material didático próprio e auto-instrutivo, que permite ao aluno desenvolver os exercícios com o mínimo de intervenção do orientador....”. O núcleo do objeto, ou seja, seu elemento essencial é o método e o material didático empregado. Nesse caso, não se vê presente o requisito da singularidade, pois quem quer que seja o orientador, desde que capacitado no método, em razão de sua mínima intervenção, trará resultados uniformes, previsíveis.” (Contratação de serviços de treinamentoe aperfeiçoamento de pessoal na Administração Pública: uma breve análise da Decisão 439/98, Plenário TCU. Revista do TCU, no. 129, JAN a ABR/2014, p. 72-79.)

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