A contratação por inexigibilidade de licitação com fornecedor
ou prestador de serviço exclusivo. Breve análise do art. 25, I da Lei 8.666/93
Em que pese a hipótese de contratação
sem licitação com prestador de serviço ou fornecedor exclusivo já figurar no macro
sistema normativo que norteia as contratações governamentais há várias décadas
(já figurava no art. 126, do Decreto-Lei n. 200/67), até hoje os órgãos e
entidades do Poder Público encontram dificuldades sobre esse instituto. Não
raro, os Tribunais de Contas reconhecem imperfeições e até mesmo ilegalidades
cometidas pelos agentes públicos quando da formalização de tais procedimentos. Revisitando
este instituto, este trabalho pretende lançar algumas luzes sobre a matéria,
abordando questões de ordem prática que surgem no dia a dia da Administração
Pública, com o objetivo de que os setores responsáveis por essa espécie de
contratação melhor instruam sues processos.
Palavras-chave: Licitação.
Inexigibilidade. Exclusividade.
Inexigibilidade de Licitação – traços relevantes
A despeito do valor constitucional
insculpido no art. 37, XXI da Carta de 1988, que fixa o princípio do Dever Geral de Licitar como condição de
contratação de obras, compras, serviços e alienações a todos os órgãos e
entidades da Administração Pública, casos haverá em que o superior atendimento
ao interesse público não será atingido pela realização do torneio licitatório, a
licitação poderá se afigurar, inviável, configurando o clássico quadro de inexigibilidade
de licitação, apontado no art. 25 da Lei. 8.666/1993. Um aspecto relevante da
inexigibilidade é que os casuísmos em que ela pode surgir são infinitos. Sempre
que, por alguma razão, não for viável realizar a licitação, a mesma será
considerada inexigível.[1]
Se uma Prefeitura Municipal pretende adquirir combustível e a cidade só contar
com um posto de gasolina, sendo que o posto mais próximo fica na cidade
vizinha, distante 25 kms, seria absurdo (e desnecessário) realizar licitação
pois, em caso de vitória desta, por mais baixo que seja o valor, só a ida e
volta da viatura, já esvaziaria novamente o tanque. Nessa circunstância, a
licitação seria considerada inviável, pois o possível resultado seria danoso
para a Administração.
Inviabilidade de licitação por ausência de competidores
A inexistência de uma pluralidade de
indivíduos aptos a se candidatarem ao contrato pretendido pela Administração
faz surgir a mais clássica forma de inviabilidade de competição. Ora, de modo
algum seria razoável admitir que a Administração ver-se-ia obrigada a
desenvolver todos os atos administrativos típicos do torneio licitatório se
desde já é sabido a quem será direcionada a contratação, dado ser aquele
indivíduo o único existente no mercado com possibilidade de atender ao chamamento.
Daí a previsão do art. 25, I da Lei 8.666/93 a qual transcrevemos abaixo:
Art.25 - É inexigível a licitação quando houver inviabilidade
de competição, em especial:
I - para aquisição de materiais, equipamentos, ou gêneros que
só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial
exclusivo, vedada a preferência de marca, devendo a comprovação de
exclusividade ser feita através de atestado fornecido pelo órgão de registro do
comércio do local em que se realizaria a licitação ou a obra ou o serviço, pelo
Sindicato, Federação ou Confederação Patronal, ou, ainda, pelas entidades
equivalentes;
De plano, impende salientar que a
hipótese do inciso acima transcrito é destinada às compras em que o fornecedor,
distribuidor ou produtor for único ou exclusivo. O que não significa dizer que
em caso de haver necessidade de contratar um determinado serviço e este somente
puder ser executado por um único prestador, a licitação seria obrigatória por
falta de amparo legal. O relevante, é que o objeto a ser contratado seja
fornecido ou prestado por quem é único, sendo que se o objeto a ser contratado for
um serviço, o enquadramento se dará na cabeça do artigo, e não no seu inciso I.
Merece especial destaque a anotação de
que ser “único” é diferente de ser “exclusivo”. Quando o fornecedor é único, a
inviabilidade de competição é absoluta, ou seja, de fato não há outro
disponível. Quando o fornecedor é “exclusivo”, existem outros que fornecem o
objeto, mas por uma razão qualquer somente aquele indivíduo é que tem
autorização para fornecê-lo. Diz-se, pois, que a inexigibilidade é relativa.[2]
Percebe-se a olhos vistos que a hipótese
é de impossibilidade fática de haver competição. Se a administração pretende
adquirir um determinado produto que só se encontra nas mãos de um indivíduo,
não há que se falar em disputa ainda que assim o desejasse. Cumpre aclarar que a
limitação imposta pelo dispositivo legal, no sentido da impossibilidade de
haver preferência de marca, quer significar que o ponto marcante da ausência de
competidores não é o produto em si, mas sim a solução técnica a que o produto
corresponda e que seja esta a única que atenda à necessidade de interesse
público surgida. Esta corrente não encontra discrepância na jurisprudência. Do
repositório do TCU, destacamos o seguinte excerto de acórdão:
“Determinar
à Casa da Moeda do Brasil para que nas aquisições de materiais com fornecedor
exclusivo...comprove nos autos...que inexistem produtos similares capazes de
atender as necessidades do serviço, devendo ambas a assertivas estar
devidamente comprovadas nos autos, mediante atestados emitidos pelos órgãos
competentes”. (Ac. 3.645/2008 Plenário)
Portanto, é dever do agente que faz
inclinar seu juízo de conveniência e oportunidade na direção da contratação de
produto tido por único ou exclusivo (logo, afastando o Dever Geral de Licitar) que demonstre ser esta solução técnica a
única adequada para atender a necessidade da Administração, devendo ser
afastada a idéia de que haja outras no mercado que tenham as características,
funcionalidades ou soluções similares. Do contrário, não estaríamos diante de
uma situação de inexigibilidade, sendo a realização da competição perfeitamente
possível, e, via de consequência, obrigatória.
A inviabilidade de licitação com base na representação comercial exclusiva.
Não nos afastando da ideia central de
que a inexigibilidade de licitação está fulcrada na inviabilidade prática de
competição, por absoluta ausência de alternativas de contratação, e ainda que
os casuísmos nessa matéria são infinitos, forçoso é reconhecer que não raro,
casos haverá em que a exclusividade poderá ser até mesmo circunstancial ou transitória.
O melhor dos exemplos é o caso de representação comercial exclusiva, que, na
lição de Marçal Justen Filho: “...é a figura
comercial que se faz presente quando um fornecedor atribui a determinado agente
econômico o direito privativo de intermediar negócios em certa região”[3].
A prática tem demonstrado que uma das formas
mais frequentes de inexigibilidade por ausência de competidores é aquela que se
dá por força de contrato de exclusividade comercial em que a fabricante do
produto ou detentor dos direitos de distribuição, ou ainda, da propriedade
imaterial (caso das editoras de livros e periódicos ou donos de patentes
industriais) entrega à determinada empresa de seu círculo comercial (franqueados,
empresas credenciadas ou da sua rede autorizada) a exclusividade de
fornecimento/distribuição ou da prestação de serviços. Como dito antes, essa
exclusividade pode ser restrita a uma determinada região e até mesmo por
período certo. Aduz ainda o citado mestre, a
representação comercial é regulada no Direito Pátrio em diversos diplomas legais,
apontando, a título de exemplo, a Lei n. 4.886/65 (representação comercial);
Lei n. 6.729/79 (concessão de veículos automotores) e a Lei n. 8.955/94
(franquia empresarial). Portanto, a inexigibilidade de licitação alcança não só
a representação comercial exclusiva, como também “qualquer espécie de agente
econômico titular de cláusula de exclusividade”.[4]
A fim de melhor ilustrar, imaginemos que
uma editora, detentora dos direitos de edição, distribuição e comercialização
das obras que publica[5],
venha a confiar a uma única empresa — uma livraria local — o direito de
comercializar um ou vários títulos em um determinado Estado. Não se pode negar
que esta reserva de mercado é do alvitre da própria editora que, naquele
Estado, preferiu não ter uma pluralidade de livrarias ou livreiros em detrimento
da exclusividade de uma única empresa. Portanto, caso a Administração Pública
local venha necessitar adquirir justamente tais títulos, configurada estaria a
inviabilidade de competição ao passo em que a editora (dona dos direitos de
edição, distribuição e venda) autorizou apenas uma certa empresa a comercializá-las,
excluindo-se também da venda. Caso típico de inexigibilidade relativa, onde, em
princípio, mesmo havendo vários indivíduos de outras localidades com disponibilidade
do mesmo produto, em caráter circunstancial decorrente da existência de
contrato de representação comercial exclusiva, somente uma empresa estaria
autorizada pela detentora dos direitos de distribuição a comercializar tais
obras naquele Estado. Cumpre frisar que sobre esse aspecto não há controvérsia.
O eminente jurista Marcos Juruena reconhece que “a exclusividade também pode
ser comprovada através de contrato de exclusividade (distribuição,
representação, licenciamento etc)”.[6]
Interessante hipótese foi tratada pelo
TCU, em que se analisou diversas aquisições de
medicamentos pela Secretaria de Saúde do Estado da Paraíba fundada em
inexigibilidade de licitação com representantes comerciais locais exclusivos.
No caso analisado, a SES/PB se baseou em declarações dos laboratórios
fabricantes (detentores das respectivas patentes) que atribuíram exclusividade
específica para a contratação pretendida. À guisa de exemplo, veja-se o teor de
uma das declarações apresentadas por um dos laboratórios, lavrada em 02.04.2003, constantes dos referidos autos, mas com as
devidas omissões:
“Declaramos para os devidos fins que, a empresa (omissis),
inscrita no CNPJ/MF sob o nº. (omissis), com sede à (sic) (omissis),
estará como representante exclusiva do produto Pegasys (Peginterferon alfa 2 A
-40 kD 180mcg), de nossa fabricação, na
quantidade de 3.000 frascos-ampolas requisitadas pela SES/PB. Validade dessa
Declaração: 90 dias”(destaque acrescido)
Nota-se que a detentora da patente do
medicamento entrega a uma determinada empresa a exclusividade para o fornecimento de um específico medicamento e apenas
nas quantidades suficientes para o atendimento à necessidade da Secretaria de
Saúde da Paraíba. Este mesmo medicamento poderia ser comercializado pelo
próprio laboratório ou outros representantes caso o cliente fosse outro. No
presente exemplo, a questão sequer é territorial, pois sendo o cliente um órgão
de outra esfera de governo, não haveria que se falar em inviabilidade de
competição. Em especial, trago à colação, a manifestação do eminente
representante do parquet junto àquela
Corte de Contas, no citado julgado, in
verbis:
“...houve uma autorização que gerou um credenciamento
temporário, o qual significou uma espécie de “representação exclusiva”, para
determinado período, local e objeto. Isso se nos
afigura desinteresse dos laboratórios de efetuarem a venda direta em um caso
específico. Não vemos óbice a que os
laboratórios estabeleçam um representação exclusiva pontual (com período, local
e objeto, certos). Esse fato denota que o laboratório não quis participar
de determinada licitação de um órgão, mas que não afastou o interesse de
participação em futuros certames desse mesmo órgão.” (grifado)
Corroborando com a exposição ministerial,
para, ao final, reconhecer a legalidade das aquisições, o Ministro Relator
asseverou que:
“a empresa (omissis) era de fato representante
exclusiva desse laboratório. Em que pese ser pouco usual - e talvez
questionável a emissão de declarações específicas para a participação em
determinado certame -, o ponto é que o gestor se viu em situação na qual não
havia competidores aptos a viabilizar a licitação. ”
No exemplo representado pelo texto da
declaração acima transcrita, nota-se que há inclusive um período de validade de
90 (noventa) dias. O que significa dizer que transcorrido esse período a
condição de exclusividade dispersar-se-ia, o que tornaria viável a competição.
Porém, tendo a Administração a necessidade de realizar a contratação
imediatamente, não podendo suportar essa espera, o fato, inarredável, é que a contratação
seria, dentro do período de exclusividade, impossível de ser formalizada senão
com o representante exclusivo.
O problema da comprovação de exclusividade
Uma das questões mais controvertidas
quanto à exclusividade envolve justamente o modo pelo qual se comprova a
exclusividade, melhor dizendo, o meio de prova da situação de fornecedor ou
prestador de serviço exclusivo. Segundo a parte final do inciso I do art. 25, a
comprovação de exclusividade deve ser feita “...através de atestado fornecido pelo órgão de registro do comércio do
local onde se realizaria a licitação ou a obra ou o serviço, pelo Sindicato,
Federação ou Confederação Patronal, ou, ainda, pelas entidades equivalentes.”
Como se percebe do texto legal, a
exclusividade não poderá ser meramente alegada pela autoridade competente ou
mesmo pelo próprio “detentor” da dita exclusividade. Exige a norma que a
situação de exclusividade deve ser apontada por alguma entidade idônea. O rol
de entidades apontado no dispositivo em estudo é meramente exemplificativo,
terminando, inclusive, com a peculiar expressão “...ou, ainda, pelas entidades equivalentes.” Daí ser de extrema
importância delimitar a abrangência do dispositivo de acordo com a realidade
fática de mercado. Para esse fim, passaremos ao exame minudente desta parte do texto
legal em tela.
O
primeiro ponto a ser esclarecido diz respeito à forma que deve assumir a prova
de exclusividade. A norma indica que a comprovação deve ser feita “...através de atestados...”.
Conceitualmente, atestado é documento firmado por alguém, no qual declara um
fato existente e do seu conhecimento em razão do cargo ou função que ocupa. Portanto,
caracteristicamente, um atestado nada
mais é do que uma afirmação ou juízo de valor de um indivíduo, baseado em fato
do qual detém conhecimento. Tem menor grau de certeza e exatidão do que, por
exemplo, uma certidão, porquanto esta última se constitui em um retrato fiel do
que se encontra formalizado em registro público. O atestado não demonstra necessariamente
uma coisa tangível, existente, expressando não mais do que uma opinião ou uma
narrativa sob a ótica do declarante. O relevo especial que recebe o atestado,
quando emitido por servidor público, é o fato de que o mesmo configura ato
administrativo formal e, quando presentes todos os seus pressupostos de
validade (competência, objeto, forma, motivo e finalidade), como tal, recebe os
seus atributos típicos, dentre os quais se destacam a presunção de legitimidade
(competência para a expedição do ato) e veracidade (o que foi expresso compõe a
verdade até prova em contrário, cujo ônus de produção é de quem o acusa de
inverídico)[7].
Porém, na essência, continua sendo uma narrativa ou um juízo de valor.
Assim dito, é certo que nenhum atestado, pelo menos em tese, pode
afirmar categoricamente que este ou aquele indivíduo é fornecedor exclusivo de
determinado produto. Se assim o fizesse, o instrumento seria a certidão pela maior robustez de sua
força probante. No atestado de
exclusividade o declarante apenas relata o que “conhece”, mas de forma alguma
garante que de fato a empresa declarada é exclusiva. Não que não possa fazê-lo,
mas a lei não exige essa afirmação taxativa, pois, repise-se, seria caso de
exigir certidão. Frise-se ainda que o
órgão de registro de comércio, isto é, a Junta Comercial, é uma autarquia,
logo, uma repartição pública cujos servidores possuem o múnus público necessário para expedir certidões. Mas ainda sim o
legislador se contentou com o atestado.
O Tribunal de Contas da União há muito
vem demonstrando preocupação com o teor dos atestados de exclusividade que
instruem os processos de adjudicação direta por inexigibilidade de licitação,
tanto que já sumulou orientação aos órgãos jurisdicionados no sentido de se
cercarem de cuidados no recebimento de documentos dessa natureza. Eis o verbete:
SÚMULA 255-TCU Nas contratações em que o objeto só possa ser
fornecido por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, é dever
do agente público responsável pela contratação a adoção das providências
necessárias para confirmar a veracidade da documentação comprobatória da
condição de exclusividade.
A preocupação da Corte Federal de Contas
é justamente em razão da natureza enunciativa
ou declaratória do atestado. Fosse
uma certidão tal insegurança seria minimizado pelo fato de haver registro formal.
O Acórdão 633/2010-Plenário, da relatoria do Min.
José Jorge e que gerou a acima trasladada Súmula traz bem delineado o
problema, senão vejamos:
“Bem de ver que a regra na Administração Pública é a
licitação, sendo que a contratação direta, sobretudo na hipótese de
inexigibilidade, deve ser entendida como exceção, e como tal foi tratada pelo
legislador a contratação junto a fornecedor exclusivo ao impor como condição
para sua efetivação a comprovação, por meio de atestado, da exclusividade.
Então, em sendo a exclusividade a causa da inviabilidade de competição, razão
da inexigibilidade, há que se ter o devido cuidado com sua caracterização. No
entanto (...) o Tribunal lamentavelmente se deparou, em inúmeras oportunidades,
com situações em que os atestados de
exclusividade não condiziam com a realidade ou eram inverídicos, inclusive
objeto de falsificação. Daí que a jurisprudência do Tribunal evoluiu no
sentido de exigir dos agentes públicos responsáveis pelas contratações não só o
recebimento e acolhimento do atestado de exclusividade mencionado no
dispositivo legal, mas também a confirmação dessa condição, seja por
diligências ou até mesmo consultas ao
fabricantes, a exemplo do Acórdão 2.505/2006 - 2ª Câmara, em que se
determinou à entidade jurisdicionada a adoção de medidas acautelatórias com
vistas a assegurar a veracidade das declarações prestadas pelos órgãos e
entidades emitentes. (...) Nesse contexto, afigura-se pertinente o projeto em
questão, consistindo em mais um esforço do Tribunal no sentido de evitar
irregularidades na comprovação da exclusividade de fornecedor e garantir a
observância do preceito legal, não sendo demais ressaltar que a atuação do
agente público não deve se resumir à exigência da documentação especificada,
mas também à verificação da real condição de exclusividade invocada pelo
fornecedor." (grifo acrescido)
Portanto, claro está que a simples
apresentação do atestado de exclusividade será, em alguns casos, insuficiente
para que se dê garantia no sentido de que a contratação sem licitação veio
coberta pelo manto da legalidade. Nota-se do excerto de acórdão suso transcrito
que a confirmação da veracidade do atestado pode vir inclusive do próprio
fabricante, conforme o segundo destaque.
A Atestação pelo órgão de registro do comércio, Sindicato, Federação e
Confederação Patronal.
O dispositivo sub examine carrega uma incongruência. É que atribui às Juntas
Comerciais (órgão de registro do comércio) e a entidades sindicais patronais a competência
de fornecer atestado de exclusividade. Em primeiro lugar a expedição dessa
documentação não constitui atribuição do Órgão de Registro de Comércio nem
tampouco de entidades sindicais[8].
Tanto assim que o Departamento Nacional de Registro do Comércio expediu a da
Instrução Normativa nº 93 de 05.12.2002 do DNRC/MICT, que dispõe, em seu art.
11:
“A Junta Comercial não
atestará comprovação de exclusividade, a que se refere o inciso I, do art. 25,
da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, limitando-se,
tão somente, à expedição de certidão de inteiro teor do ato arquivado, devendo
constar da certificação que os termos do ato são de exclusiva responsabilidade
da empresa a que se referir. (grifo acrescentado)
Recordando que atestado é, essencialmente, um ato revestido de um juízo de valor
ou uma narrativa de fato conhecido do servidor no exercício das suas funções, nota-se
que o DNRC preocupou-se justamente com a veracidade da informação a ser
prestada e considerando o fato de que a Juntas Comerciais não são competentes
para atestar a condição de exclusividade comercial. Portanto, nesse específico
contexto, as Juntas Comerciais limitar-se-ão apenas a registrar o que alguém
disse sobre a exclusividade a favor de outrem ou de si próprio. Para Jacoby,
tal dispositivo “...contraria frontalmente a Lei de Licitações, quando busca
tornar ineficaz o imperativo ali contido.”[9]
Ousamos discordar. A Lei n. 8.666/93 regula o art. 37, XXI da CF, ou seja, o
procedimento de contratação de terceiros na Administração Pública, e não a
atividade empresarial que é regida por normas próprias. Afinal, a Lei de
Licitações é que terminou por discorrer sobre tema que não lhe é afeto, ultrapassando
sua esfera de competência normativa, e invadindo a da Lei n. 8.934/1994, que
dispõe sobre o registro público de empresas mercantis e atividades afins.
Portanto, reconhecendo a pertinência da
IN 93/02 do DNRC/MICT, restaria o desafio no sentido de se determinar o significado
prático da expressão “ato arquivado” referida no art. 11 daquela Instrução
Normativa. O art. 32, da Lei Federal retro citado elenca quais atos e
documentos podem ser submetidos a arquivamento pelas juntas comerciais,
incluindo os “atos ou documentos que, por determinação legal, sejam atribuídos
ao Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins ou daqueles que possam interessar ao
empresário e às empresas mercantis; (grifado)”.
Assim, se a proprietária dos direitos de
comercialização/distribuição é quem indica o seu único representante ou ser ela mesma a única a comercializar seu produto, seria razoável admitir, sob o
ponto de vista lógico, que somente ela mesma fosse legitimada para “atestar” a sua
exclusividade ou a de seu representante comercial. O que, a final, a IN 93/02,
do DNRC/MICT pretendeu dizer ao fazer menção a “ato arquivado”, seria,
portanto, a declaração do fabricante ou distribuidor oficial, ou ainda a
editora ou proprietária da patente, conforme o caso, dando conta de que Fulano de Tal Ltda. é exclusivo para
comercialização dos produtos tais e tais. O mesmo raciocínio pode ser aplicado
por analogia nos casos em que o atestado de exclusividade for originário de
Sindicatos, Federações e Confederações Patronais e nas entidades equivalentes.
Considerando que as Juntas Comerciais e
também as demais entidades enumeradas no dispositivo legal em estudo, apenas se
limitam a reproduzir o teor das
declarações dos fabricantes e distribuidores e, ainda pelo fato de que o TCU
entende que as diligências que confirmam a veracidade das declarações podem até
mesmo ser feitas junto ao próprio fabricante, não se pode deixar de admitir que
sua declaração ou o próprio contrato de representação comercial tem enorme
força probante. Qual seria, portanto, a finalidade de se exigir que o atestado
tenha sido expedido por uma dessas entidades? A resposta nos parece
relativamente simples: sendo a atribuição de exclusividade um ato jurídico
restrito ao fabricante/distribuidor e o fornecedor (exclusivo), o registro da
declaração do fabricante em tais entidades daria a essa o caráter de
publicidade no meio empresarial relativo ao segmento do objeto da
exclusividade, tornando seus reflexos jurídicos oponíveis a terceiros.
A equivocada impressão de que o atestado deva ser de entidade do local onde
se realizaria a licitação
Outra questão importante diz respeito ao
local de expedição do atestado. Em interpretação literal, por óbvio, o
aplicador da norma seria conduzido a somente aceitar como válido o atestado
emitido por entidade com sede no “local onde se realizaria a licitação”. Mas é
sabido que nenhuma norma jurídica deve receber tratamento literal sob pena de
estreitamento da sua aplicação. Mais ainda. Poderia levar o aplicador da norma a
empreender um resultado impossível ou mesmo danoso para o bem jurídico tutelado
pela mesma norma. É a lapidar lição de Carlos Maximilliano[10],
in verbis:
“Deve o Direito ser interpretado inteligentemente: não de
modo que a ordem legal envolva um absurdo, prescreva inconveniências, vá ter a
conclusões inconsistentes ou impossíveis. Também se prefere a exegese de que
resulte eficiente a providência legal ou válido o ato, à que torne aquela sem
efeito, inócua, ou este, juridicamente nulo.”
Em primeiro lugar, não se pode exigir da
sociedade empresária duplo registro. Pelo princípio constitucional da livre
iniciativa, uma empresa com sede em um Estado pode perfeitamente exercer sua
atividade em qualquer lugar do País, independente de registro senão na sua
sede. Logo, não pode ser forçada a manter registros em todos os Estados onde
atua. Por lado outro, o mais das vezes os atestados terão abrangência nacional,
sendo suficiente para o desiderato da comprovação. Veja-se a Orientação
Normativa nº 56 /2010, expedida pela AGU/NAJ/MG, cujo entendimento caminha
nessa mesma direção:
Os atestados devem ser emitidos pelo órgão local da sede da contratação,
regra essa excepcionada nos casos em que
o fornecedor exclusivo não possui representação comercial na praça ou a
exclusividade é de âmbito nacional.” (destaquei)
A correta interpretação, portanto, é de
que somente se exigirá que o atestado seja do local onde a contratação se dará se o detentor da exclusividade possuir representação neste
mesmo local. Mais ainda. Será admitido atestado de exclusividade de entidade de
outra localidade na hipótese de essa entidade possuir abrangência nacional,
ainda que o detentor da exclusividade tenha sede no local da contratação, como
seria o caso dos atestados emitidos por Confederações ou Sindicatos nacionais
com sede em localidade diversa da do órgão ou entidade pública contratante.
O que se deve entender por “entidades equivalentes”
Por fim, cumpre esclarecer o alcance da
expressão acima epigrafada para identificar de quais entidades, em substituição
às entidades arroladas no dispositivo alvo do presente trabalho, poderão os
órgãos e entidades da Administração Pública receber atestados de exclusividade.
O elenco do art. 25, I da Lei Geral de
Licitações refere-se a entidades que congregam empresários, com exceção da
Junta Comercial, que é órgão estatal regulador dos registros empresariais, mas
que, no fundo, cumprem missão análoga às primeiras. Conforme visto
anteriormente, a ideia central de os atestados serem emitidos por uma dessas
entidades é a de promover publicidade, principalmente, dentro do meio
empresarial a que pertence a detentora de cláusula de exclusividade. Não
comportaria outra interpretação, ante a imprecisão da expressão, senão a de se
considerar que “entidades equivalentes” devem ser associações de que congreguem
o empresariado ou associações representativas do empresariado, assemelhados aos
Sindicatos, Federações e Confederações patronais relativas ao segmento a que
pertence o objeto da contratação.
Para Jacoby[11]”além
da associação comercial, até o Clube de Diretores Lojistas” poderia ser
considerado entidades equivalentes. Cite-se também outras entidades, tais como
a Câmara Brasileira do Livro-CBL, para livros e periódicos; a Associação
Brasileira do Comércio Farmacêutico-ABCFARMA; a Associação de Empresas de
Software e Informática-ASSEPRO. Não será possível, contudo, admitir-se
atestados emitidos por clubes recreativos ou entidades de promoção social ainda
que indiscutivelmente idôneos, por falta de legitimidade para representar um
segmento empresarial determinado.[12]
Conclusão
Diante do que foi aqui exposto, a
contratação direta por inexigibilidade de licitação pelos órgãos e entidades do
Poder Público, quando for o caso de contratação com fornecedor ou prestador de
serviços deve observar, com base nas disposições do art. 25, I, da L. 8.666/93,
o seguinte:
a)
a
escolha do contratado tido como exclusivo deve ser decorrente da identificação
de que sua solução técnica é a única que atenda às necessidades da
Administração;
b)
é aceitável
a inviabilidade transitória ou circunstancial, como nos casos de representação
exclusiva somente em um território;
c)
não
é necessário que a entidade atestante tenha sede no local do contratante, desde
que tenha abrangência nacional ou que seu destinatário tenha sede em outra
localidade, a fim de evitar obrigar a empresa à duplicidade de registro;
d)
entender-se
como “equivalentes” as entidades que tenham finalidade social análoga às
entidades sindicais patronais, desde que idôneas.
[1]
Para Jessé Torres, “...as hipóteses dos incisos não têm autonomia conceitual;
entender diversamente significa subordinar o caput do artigo a seus incisos, o que afronta regra palmar de
hermenêutica; sendo, como devem ser, os incisos de um artigo subordinados à
cabeça deste, a inexigibilidade de licitação materializa-se somente quando a
competição for inviável.” (Comentários à
Lei das Licitações e Contratações da Administração Pública, 8ª. Ed,
Renovar, p.342).
[2]
Cfrm. CARVALHO FILHO, José dos Santos Manual
de Direito Administrativo, 11ª. ed. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2004, p. 224.
[3]
Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, Dialética, 14ª.
Ed., São Paulo, 2010, p. 363.
[4] Op. Cit.
[5] É padrão
nos contratos de edição, que o autor da obra ceda tais direitos à editora.
[6] SOUTO,
Marcos Juruena Villela, Licitações &
Contratos Administrativos. Rio de Janeiro, Esplanada ADCOAS, 1998, p. 165.
[7]
MELLO, Celso Antônio Bandeira, Curso de
Direito Administrativo, 17ª Ed., Malheiros, p.382-384.
[8]
Nesse sentido: FILHO, Marçal Justen, Op.
Cit., p. 365 e MOTTA, Carlos Pinto Coelho, citando Toshio Mukai. Eficácia nas Licitações e Contratos.
10ª. Ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.
[9]
JACOBY, Jorge Ulisses Fernandes, Contratação
Direta Sem Licitação. Belo Horizonte, Ed. Fórum, 9ª, 2011, p. 594. Cumpre
ainda esclarecer que na sua obra o autor faz referência ao art. 12 da IN 56/96,
do DNRC/MICT, mas que fora atualizada pela IN acima indicada, sendo que o texto
foi mantido intacto, sendo apenas renumerado para o art. 11.
[10] Hermenêutica e Aplicação do Direito,
Forense, 1993, p.180
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