Uma vez que todos os recursos tenham se esgotado no
âmbito do órgão/entidade promotora da licitação, restarão duas vias de
discussão: representação ao Tribunal de Contas e ação Judicial.
A representação ao Tribunal de Contas é recurso de
natureza administrativa e não exige acompanhamento por advogado, a exemplo dos
recursos nas licitações. Já o acesso ao Judiciário, só pode ser feito por
intermédio de advogado. Nesse modelo, vamos tratar da representação ao Tribunal
de Contas, sendo que, se a sua decisão for “brigar” na Justiça, deverá procurar
um especialista em Direito Administrativo para assessorá-lo.
A representação ao
Tribunal de Contas é prevista no art. 113, § 1º da Lei 8. 666/93 e pode ser
interposto a qualquer tempo (não tem prazo certo) e por qualquer cidadão.
EXMO. SR. PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
(Nome da Empresa), com sede na (endereço completo), inscrita
no CNPJ sob o no _________, empresa participante da Licitação
Pública realizada sob a modalidade Tomada de Preços no
_____/_____, processo administrativo sob o no
________________, promovida pelo(a) (órgão ou entidade), neste ato representada
por seu bastante procurador infra-assinado, vem, mui respeitosamente, com
fulcro no art. 113, 1o da Lei Federal no
8.666/93, interpor
RECURSO DE REPRESENTAÇÃO
contra a decisão que aplicou à ora representante a
penalidade administrativa de que trata o art. 87, inciso III, do diploma legal
acima referido, pelo prazo de 02 (dois) anos, assim fazendo pelas razões de
fato e de direito que passa a expor.
dOS FATOS
1. A
representante sagrou-se vencedora nos itens 1, 2, 3, 4, 5, 6 e 7 da licitação
em epígrafe. Convocada a entregar o objeto, o fez em relação aos itens 2, 3, 4,
5, 6, 7, retirando a respectiva Nota de Empenho, dentro do prazo e nas
condições do ato convocatório. Contudo, relativamente ao item 1, o setor de
orçamento da representante logrou terrível equívoco ao cotar, para os kits de “beta hcg” a marca synth, que NÃO mais fabricava o
referido produto, logo, não poderia ter sido objeto de proposta já à época;
quanto ao item 2, houve entrega com o lacre rompido, fato este comunicado pela
representada através de correspondência datada de 26/11/97.
2. Quanto
ao item 01, em resposta firmada em 04/11/97, a representante requereu o seu
cancelamento da respectiva nota de empenho pelas razões acima descritas, o que
foi negado pela Administração. Em seguida, já em relação ao problema surgido na
entrega do material constante do item 02, a representante buscou providências,
através de seu preposto naquela cidade, no sentido de dar solução às pendências
surgidas, com a competente substituição dos mesmos. Ocorre que, não obstante a
intenção da representante em resolver as controvérsias, a pessoa para a qual
foi designada não cumpriu com a sua obrigação, apesar de dar ciência no sentido
de que todos os problemas estariam satisfatoriamente resolvidos. Afinal, tendo
sede em São Paulo, é muito natural que se entreguem assuntos de outras cidades,
principalmente as mais distantes, a funcionários locais, de modo a propiciar um
acompanhamento mais ágil e pessoal junto aos seus clientes. Nesse passo, não
pretende a representante, porém, eximir-se de culpa, pois é sabido pela
suplicante que a empresa responde pelos atos de seus representantes, mas tão
somente, demonstrar a ausência de má-fe
no cometimento das infrações, e o esforço em corrigi-las; circunstâncias que
certamente deveriam ser sopesadas na quantificação da penalidade imposta.
3. Diante
da não satisfação da entrega, em comunicação datada de 10/12/97, o ilustre
Diretor de Administração daquela unidade notificou a representante para
acompanhar e apresentar defesa prévia em procedimento apuratório instaurado com
vistas a aplicação de sanções administrativas. Em defesa prévia, a ora
suplicante reconhece as dificuldades trazidas ao processo de compra,
colocando-se à disposição para dar a solução que melhor conviesse àquela
Administração, propondo-se, inclusive, a fornecer outros “kits de beta HCG”,
sem qualquer ônus para a Administração.
4. Negada
qualquer tentativa de recompor a situação do processo, a Administração, através
da Portaria no 005/PRA/98, baixada pelo Pró-Reitor de
Administração em 29/01/98, resolve aplicar multa e suspensão temporária do
direito de participar de licitações e contratar com aquela instituição pelo
prazo de 02(dois) anos. Em grau de recurso, aduzimos razões no sentido de
demonstrar a extrema desproporção entre a falta cometida e a penalidade
imposta. De nada adiantaram as ponderações propostas e o recurso foi improvido.
Esses
são os fatos que trazemos a Vossa Excelência.
dA FUNDAMENTAÇÃO
LEGAL DO PLEITO
5. Em
síntese, o que ocorreu é que a representante foi penalizada em 02 (dois) anos
de suspensão por descumprir cerca de 30% (trinta por cento) da totalidade do
objeto contratado no empenho no 01674, que, em valores,
corresponde a R$ 16,00 (dezesseis reais) para o item 01; e R$ 156,00 (cento e
cinquenta e seis reais) para o item 02, além de sofrer multa, cujo percentual
incidiu no valor total do referido empenho, inclusive sobre os valores das
mercadorias recebidas. Frise-se que, em relação ao item 01, houve tentativa de
entregar os materiais frustrada pela própria Administração e, quanto ao item
02, entregues com o lacre rompido, só não ocorreu a troca pelos motivos
expostos no parágrafo segundo do presente.
6. A
discussão somente se tornou mais complexa em razão do total despreparo e falta
de bom senso dos administradores que funcionaram neste processo, violando, logo
de pronto, o Princípio da Razoabilidade que informa o “atuar” da
Administração Pública. Senão vejamos.
7. Como
salientamos inicialmente, o material relacionado no item 01 do edital teria
sido cotado equivocadamente, pois o fabricante indicado na proposta ¾ synth ¾ não mais o produzia. Assim,
a proposta seria impossível de se ver cumprida naquelas condições. Trata-se,
porém, de erro material, já que o edital NÃO EXIGIA A INDICAÇÃO DE MARCA, não
figurando, via de consequência, como critério de julgamento ou de
aceitabilidade naquele certame. Se, naquela oportunidade, algum licitante
deixasse de indicar a marca, não mereceria este a desclassificação dada a
irrelevância da falta.
8. Detectado
o problema, a representante primeiro solicitou o cancelamento daquele item, e,
como fora negado, comprometeu-se em fornecer os “kits” de BETA HCG” de outra
marca que fosse indicada pela Administração. Bastaria isso para solucionar o
impasse. Mas, surpreendentemente, a Administração firmou convicção no sentido
de receber aqueles “kits” da marca cotada na proposta. Ora, nenhum sentido faz
essa rigidez. A uma porque, como já frisamos, a marca não constituiu critério
de julgamento da licitação e muito menos era exigência editalícia. Logo,
indiferente a marca. A duas, e principalmente, porque, se a marca não era
relevante, mais importaria à Administração o cumprimento da obrigação com a
devida entrega do produto. Portanto, salta, a olhos vistos, que os setores
administrativos da Universidade Federal de Santa Catarina mais se preocuparam
em impor sanções do que em resolver os problemas. Aliás, ao negar a entrega dos
“kits” de marca diversa, a Administração acabou, por via oblíqua, obrigando o
adjudicatário mais do que o fez o próprio ato convocatório.
9. Quanto
ao item 02, o órgão técnico reclama que a entrega do material com o lacre
rompido teria sido uma “tentativa de enganar a instituição”. Mais uma vez se
precipitou o agente ao tecer declarações dessa natureza, posto que é
extremamente comum, nos fornecimentos de um modo geral, a entrega de material com
alguma espécie de vício. A solução aqui não é menos simples. O fornecedor é
obrigado a reparar às suas expensas qualquer material entregue com vício de
fabricação. É a inteligência do art. 69 da Lei no 8.666/93.
Não teria sido agravante no caso sub examine e tampouco “tentativa de
enganar a instituição”, visto que, como próprio órgão salientou, o rompimento
do lacre configura grave descumprimento da legislação sanitária. Bem, se o meio
empregado não é, nem de longe, idôneo para induzir ou manter em erro a
instituição, certo é que não houve tentativa de enganá-la. Essa é a presunção
que informa, inclusive, os tipos delitivos descritos nos art. 171, 289, e 293
do Diploma Penal Pátrio. Não houve, portanto, conduta imoral ou distanciada da
boa ética. Certamente, essas circunstâncias não foram relevadas pelos órgãos
técnicos da Unidade representada. Demonstraram total falta de preparo em
aplicar as normas do art. 87 da Lei Federal das Licitações operando a punição
do fornecedor sem a observância de qualquer critério lógico e sem medir as
reais consequências que um ato repressor dessa natureza pode acarretar.
10. Preliminarmente,
é oportuno traçar a linha doutrinária que acompanha a matéria com o fito de
deixar consignado com a devida clareza o objetivo prático da aplicação, por
parte da Administração, de sanções diretas. Cabe nesse compasso salientar que a
faculdade de aplicar as sanções arroladas no art. 87 supracitado emanam do
próprio Poder de Polícia atribuído genericamente à Administração. Nas
palavras do sempre acatado Celso Antônio
Bandeira de mello, o poder de polícia nada mais é do que:
“...a
atividade da Administração Pública, expressa em atos normativos ou concretos,
de condicionar, com fundamento em sua supremacia geral e na forma da lei, a
liberdade e a propriedade dos indivíduos, mediante ação ora fiscalizadora, ora
preventiva, ora repressiva, impondo coercitivamente aos particulares um dever
de abstenção (non facere), a fim de conformar-lhes os comportamentos
aos interesses sociais consagrados no sistema normativo(grifo nosso).” (Curso
de Direito Administrativo, Malheiros, 7a ed., p. 488).
11. Como
se depreende dos ensinamentos do ilustre jurista, o poder de polícia
encontra amparo não para satisfazer o sentimento pessoal do agente público
aplicador da norma, mas sim, e tão somente, na busca do melhor para a
coletividade. Esta é a finalidade ¾ requisito essencial que deve acompanhar a
formação de todos os atos administrativos ¾ dos chamados “atos de polícia”. Nesse
sentido, o saudoso mestre Hely Lopes
Meirelles, é categórico ao afirmar que “a finalidade do poder de polícia
é a proteção ao interesse público no seu sentido mais amplo” (Direito
Administrativo Brasileiro, Malheiros, 19a Ed., p.118).
Assim, torna-se insofismável o entendimento segundo o qual o poder de
polícia não encontra razão de existir senão na persecução daquilo que
melhor representa para a coletividade.
10. O
caso em tela se trata de inexecução parcial do contrato. O sentido prático da
aplicação das sanções é o de reparar o dano sofrido com o inadimplemento ou, se
ainda for possível, coagir o seu causador a repará-lo. Atingido um ou outro,
estará a Administração, a alcançar o bem coletivo, aliás paradigma precípuo do
administrador público. Ora, em situações dessa natureza, o que melhor atinge o
interesse público, seguramente, é a própria execução do contrato inadimplido.
Se a Administração já despendeu esforços burocráticos em um procedimento
licitatório, seria mais razoável que não fosse necessário uma nova licitação e
consequentemente todas as implicações que a acompanham. Em outras palavras, é
mais vantajoso para a Administração que o inadimplente cumpra sua obrigação do
que se ver obrigada a perder mais tempo com o desenrolar de uma nova licitação.
13. Ultrapassada
a discussão no tocante à finalidade legal da aplicação de penalidades
administrativas, há que se trazer à baila outro ponto de vital importância na
configuração da legalidade dessa atuação estatal e contra o qual estamos nos
insurgindo, qual seja, a dosimetria da pena imposta. Assim, voltamos a nos
socorrer dos ensinamentos do saudoso mestre que esclarece com precisão que,
dentre os requisitos de validade do “ato de polícia” encontra-se com especial
relevo o da proporcionalidade da sanção, consignando que:
“A proporcionalidade entre a restrição imposta pela
Administração e o benefício social que se tem em vista, sim, constitui
requisito específico para a validade do ato de polícia, como, também, a
correspondência entre a infração cometida e a sanção aplicada, quando se tratar
de medida punitiva. Sacrificar um direito ou uma liberdade do indivíduo sem
vantagem para a coletividade invalida o fundamento social do ato de polícia,
pela desproporcionalidade da medida.” (OP. Cit. p.124)
14. Acompanha
o mesmo raciocínio o também já citado Celso
Antônio Bandeira de Mello, que com igual propriedade assenta que:
“Mormente
no caso da utilização de meios coativos, que, bem por isso, interferem
energicamente com a liberdade individual, é preciso que a Administração se
comporte com extrema cautela, nunca se servindo de meios mais energéticos que
os necessários à obtenção do resultado pretendido pela lei, sob pena de
vício jurídico que acarretará responsabilidade da Administração (grifo
acrescentado). Importa que haja proporcionalidade entre a medida adotada e a
finalidade legal a ser atingida.” (OP. Cit., p.495).
15. Na
espécie em estudo, a penalidade de que trata o art. 87, inciso, III, foi
imposta no MÁXIMO legal, o que usualmente ocorre no caso de faltas gravíssimas
com danos irreparáveis à Administração e em fornecedor já reincidente. A
suspensão temporária deve ser graduada em ATÉ 02 (dois) anos conforme a
gravidade da infração, não havendo imposição da lei quanto a limite mínimo. Ao
determinar a aplicação de suspensão temporária, a autoridade administrativa tem
o poder-dever de, sopesando as circunstâncias, a história pregressa do
contratado, os danos efetivos causados, a possibilidade de reparação, bem como
o poder ofensivo da infração, determinar o quantum estritamente
necessário à correção da falta. A não observância desses preceitos vicia o ato
tornando-o anulável na via jurisdicional.
16. Em
verdade, não almejando eximir-se completamente de responsabilidade, a
representante demonstrou de forma clara e idônea, através da dilação
inicialmente proposta, que NÃO agiu com má-fé, o que descaracteriza a
necessidade de uma atuação estatal puramente punitiva e repressora. Ademais, o
motivo ensejador de penalização foi uma inexecução parcial da obrigação.
Adjudicatária de 07 (sete) itens, a suplicante entregou 05 (cinco), com
proficiência e retidão como é do costume nas relações comerciais que
estabelece. E não o fez na sua totalidade devido aos próprios percalços
causados pela Administração, o que transformaria a inexecução parcial em atraso
na execução. Além disso, a representante não é reincidente, não havendo em seus
registros cadastrais qualquer anotação que desabone sua conduta frente aos seus
clientes governamentais, sendo fornecedora de longa data da Administração
Pública de todas as esferas em nível nacional. Outro fato que passou longe dos
olhos dos administradores locais foi a pequena importância pecuniária
representada na inexecução parcial de que se cogita. Os dois produtos faltantes
somam R$ 172,00 (cento e setenta e dois reais). Um valor extremamente irrisório
em comparação com o peso aplicado na suspensão ora agredida.
17. Não
há, portanto, nada nos autos que justifique penalidade de tamanho poder
repressivo, principalmente levando-se em conta que estará a representante, por
02 (dois) longos anos, alijada da possibilidade de participar de licitações na
Universidade Federal de Santa Catarina.
18. Essa
própria Corte de Contas, entre os incontáveis processos que chegam ao Plenário,
por diversas vezes teve a oportunidade de corroborar com suspensões bem mais
benevolentes em casos muito mais graves do que o desenhado na presente. Apenas
a título de exemplo, cite-se a Decisão Sigilosa no 163/96 –
Plenário – Ata 13/96, envolvendo a Escola Agrotécnica Federal de Alegrete/RS,
em que houve constatação de prática de superfaturamento por parte do licitante
vencedor, delito descrito no art. 96, I e V da Lei no
8.666/93, e que, ao final, fora aplicada suspensão temporária pelo prazo de 06
(seis) meses.(Processo no DS-0163-13/96-P, Rel. Min. Lincoln
Magalhães da Rocha, DOU de 15/04/96).
19. A
espécie poderá tornar-se mesmo danosa para a própria Administração daquela
Universidade. Salienta o ilustre Diretor da Divisão de Administração, que em
menos de um ano de gestão, já teria suspenso outros fornecedores por 02 (dois)
anos. Ora, se qualquer caso de inexecução parcial ou atraso de fornecimento for
tratado com esse rigor, em breve espaço de tempo, não sobrarão mais
fornecedores para contratar com a Instituição. O administrador público, em respeito
ao munus que lhe é confiado, deve preservar condições razoáveis de
funcionamento do seu setor sob pena de falência. Afastar um fornecedor que,
rotineiramente, apresenta-se em licitações com a proposta mais vantajosa para a
Administração por dois anos em detrimento de falta ímpar em sua história
pregressa e de pequena monta é dissolver aos poucos o próprio círculo de bons
fornecedores que tem à disposição.
do pedido
20. Diante
do exposto, REQUER a Vossa Excelência se digne a conhecer do
presente, e dar efeito suspensivo ao mesmo, até que se julgue o mérito,
tendo em vista o risco de tornar-se inócua a respeitável decisão que será
proferida em plenário, evitando assim, prejuízo irreparável ou de difícil
reparação ao suplicante.
21. Destarte,
REQUER ainda, a anulação da penalidade administrativa de que
trata a Portaria no 005/PRA/98, recomendando ao órgão
representado que ofereça nova oportunidade de entrega do material alvo do
presente, no prazo que melhor convier à Administração.
22. Alternativamente,
não entendendo ser conveniente o recebimento imediato do objeto em questão por
parte da representante, esta requer a revisão da dosimetria da sanção do art.
87, inciso III, da Lei Federal no 8.666/93, em nível mais
brando e condizente com a gravidade da situação fática, levando-se em conta a
ausência de má-fé e a primariedade da ação faltosa.
N.
Termos P. Deferimento
Cidade, __ de _______ de 20__.
_______________________________________
FULANO DE TAL – NOME DA
EMPRESA
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